terça-feira, 8 de julho de 2008

Anjo

Anjo.
Abri a porta do não-real. No início tateei...
E ali se encontravam inúmeros personagens: falantes, inteligentes, sedutores, simpáticos, vividos e eu imatura .Comecei a interagir e vivenciei um duplo - um real, outro virtual.
Encantei-me com a possibilidade de existir num espaço- sonho ...
Vi-me seduzida por discursos cheios de libido digital:era possível sentir tudo o que meu corpo apenas permitia viver em presença.
Fiquei um pouco atordoada e apaixonada por um personagem! Coisa de “pele”...
Enlacei-me na rede.
E numa noite, a surpresa: era ele pegando-me em sobressalto!
Cada vez mais me surpreendia com emoções que só cabiam em carne-viva.
Ele pediu- me:aceita ! Fiquei paralisada...
As fotos postadas revelavam: todo lindo!Iniciamos brincadeiras “de contar ”.Provoquei-o e me derretia toda a cada relato.
Apaixonar-se por um anjo. Que pecado! Mas eram conversas tão lascivas!
Pedi para pararmos que percebendo seu domínio, não me obedeceu.
Troquei novas roupas para sair de vez de seu alcance e cada vez mais confiante avançava e sufocava.De repente, brigávamos como dois antigos amantes.
Até hoje existe esse ódio-amoroso: ao virtuarmo - nos saem faíscas de uma energia desconhecida, que preenchem um espaço só dele.
Ficou para sempre dentro de mim.
Anjo...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

(des) amor

Não sabiam, nem podiam esperar. Mas a menina que sempre compreendeu depressa o norte e o sul, somas, subtrações e divisões, e que decorava apaixonadamente jornadas históricas de personagens ilustres, era a mesma que rapidamente entenderia tudo sobre sexo, como que por intuição. Só ele conhecia a sabedoria suja de sua donzela feiticeira - aquela dama que fechava os botões do vestido até o pescoço e se fazia feia até o quanto lhe era possível. Pediu a mão em casamento, como nos velhos costumes, e era um enamorado de muitas posses. A pequena dama fez que pouco se importou, deu de ombros e disse que mais tarde pensaria nisso. Por dentro, no entanto, tornou-se escarlate ao rubro, vermelha de dar dó. A vermelhidão, que fique claro, não se tratava, de modo algum, do ruborizar efervescente das casadoiras. Ora, se fechava as entradas, era porque não queria casar. Nem fazia gosto dos vestidos de noiva fabricados com primor por dona Célia e as meninas. O vermelho era raiva, sangue nas veias, grito de fera. Era mulher demais para aceitar tamanha afronta: um homem de posses comprar-lhe o corpo, a alma e a vida e ainda fazer agradinhos aos futuros sogros. Agradinhos, pois sim. Na semana anterior os havia levado a um desses passeios de velejador metido a besta. E trazia as orquídeas preferidas de mamãe, todo cheio de pompa. Um almofadinha!

O casamento se deu alguns meses depois. Ela foi uma noiva morena e bela - bela como jamais havia sido vista. Ele babava um tanto, o almofadinha. Dama o suficiente para esconder o asco, casou-se linda e treinou alguns sorrisos deslumbrantes. De resto, ainda era escarlate por dentro e enojava-se do destino fabricado: todas as noites rezava a ninguém, pedindo para que um dia tivesse coragem de ser alguém. A noite de núpcias da virgem foi um deleite estupendo. O marido tratou de tocá-la com toda a delicadeza do mundo mas ela, impaciente, escancarou as pernas e mostrou-se úmida, intacta, mas pronta, inteiramente pronta. Aos poucos ele foi percebendo que sua esposa não era mulher de muitas palavras e muito menos de fino trato. Passava os dias costurando, bordando, fazendo-se de prendada, e durante as madrugadas escapava das grades invisíveis que a prendiam e só então era inteira, verdadeira, viva. Deixava claro que não o amava, mas que importava essa trivialidade besta, esse tal de amor, se recebia dela o gozo puro, perfeito, sem precisar visitar bordéis e becos? Era feliz porque, em tempos como aqueles, era o único a ter em casa a dama e a prostituta. E a ninguém contava sua proeza: era um cavalheiro.

Ela, em seu silêncio, não sabia ser feliz. Era o ponto máximo daquilo a que costumam conhecer como insatisfação feminina. Reconhecia: o marido era um bom homem. Umas três ou quatro vezes chegou a amá-lo, especialmente nos momentos em que mais o destratava e o fazia um homem infeliz. E então, diante de alguém tão sofrido, sentia piedade. Uma insuportável e apaixonada piedade. "O amor é piedoso" - já havia ouvido ou lido algo assim. E o amor era tão-somente isso: piedoso. Uma compaixão desvairada, rara. Sentia o mesmo amor diante de cãezinhos doentes e de pessoas que lhe pareciam muito, muito feias. E só podia amar o fraco, o feio, o enfermo: era - secretamente em sua alma escarlate - a senhora dos desvalidos. Uma dama cruel e santa. Que precisava ver o sofrimento escancarado para, então, amar. Porque seu espelho era também doente.

Agora olhava-se. Tinha um rosto lindo de doer, mas era opaca. Nenhuma das cores da manhã refletiam em seu semblante, e o exagero rubro que a tomava internamente faltava-lhe ali, do lado de fora. E então era feia. Feia, feia, feia. Criatura que se escancarava durante as madrugadas para oferecer a única beleza que reconhecia: a beleza de ser fêmea. "Não o meu rosto. Venha e veja aqui, entre as minhas pernas..." - susurrava inaudível. Ele não ouvia. Amava. Amava-a fechada ou aberta, límpida ou opaca. O rosto, o ventre e aquelas coxas macias. E ela, indiferenciada: porque o rosto belo provocava-lhe a angústia de, apesar da beleza, não se destacar em multidões. E as coxas macias tinham a maciez que toda mulher deveria ter, assim achava ela. Indiferenciada. Era tão-somente aquilo: carne crua, quente e bem-feita. Amada por nada. Por motivo nenhum. Mas amada. Irritantemente amada. E agora baixava os olhos e jurava nunca mais se olhar assim.

O tempo de alguém diante do espelho é uma coisa misteriosa. Dizem que pára, silencia e depois passa a andar lentamente, em passos mais vagarosos que os do ponteiro do relógio. Não deve ter ficado ali mais que cinco minutos, mas poderia dizer sem mentir que havia sentido as horas se passando até completar cinco dias inteiros. Um tempo penoso. Não era, então, a mera admiradora narcisista como costumava ser quando se deparava com o espelho da loja de cosméticos. Não. Não fitava a linha perfeita de sua sombrancelha, mas metia-se em si, nas entranhas, enfiava-se pelos olhos e se fazia saltar pelos poros. Sentia-se. A menina apressada, feia, medrosa. A garota tímida, morta, infeliz. Uma idosa. Sábia. Cruel. Fraca. Um pedaço de carne. Disforme. Carniça. Um bicho. A mulher que por um acidente assim havia nascido, e que no fundo sabia que poderia ser um homem: bastava um risco incerto na palma de sua mão, bem no princípio da vida, um risco outro que costuraria um outro destino. Era mulher por acaso. E o acaso era sua dor.

Foram apenas cinco minutos. Foram longos cinco dias. Então o marido - almofadinha, chato, aquele homem qualquer... -, então o marido tocou sua mão esquerda. Beijou-lhe a bochecha. Elogiou-a como sempre. E ela sabia que tudo aquilo era em vão. Que jamais se sentiria completa. Mas sorriu. Às vezes se lembrava do motivo que a havia levado ao altar. Não era medo, menos ainda amor. Era porque precisava de uma borda, ainda que suave: uma borda que a fizesse ilusoriamente humana, única, peça rara. Já há muito tempo havia desistido de aprender a desenhar, e então pediu: "desenha-me para o resto da vida...", e ele respondeu: "seja feita a sua vontade...". Só que o resto da vida ainda estava longe. E a vontade dela era indefinível... E eles, contornados com bordas delicadas, sabiam da insegurança do tempo, e rezavam ao Agora pedindo que não deixasse faltar gozo, um aperto de mão e aquela coisa suave que, na falta de um nome mais justo, às vezes chamavam de amor. Mas ela não amava: nunca havia aprendido de fato.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Lanhos

Prazer em estiletar –se.
Desmanchar-se em arrepios e dor fina, era uma pequena morte.
Sempre ...sempre... com aquela que chamava de “amiga”, uma faca que estava ao alcance de suas mãos numa gaveta próxima ao seu computador, quando de uma noite solitária , ou uma rejeição, acompanhava a agonia de um corte...um pequeno e finíssimo corte. Nos antebraços, parte interna, quase sempre. E havia muitas cicatrizes daquelas...
E eu, estupefata ...
Era verdade!
Aquilo que parecia uma fantasia virtual, era a realidade nua e crua.
Nem sei o que me fez ir visitar aquela mulher que era vista com parcimônia por alguns da cidade mineira, mística.
Excêntrica ... era uma criatura meio que andrógina, no seu jeito.
Mas eu que havia acompanhado de longe uma noite inteira de agonia e vinho...muito vinho... e conversas telefônicas com amigos comuns a convencer-lhes que vida era a opção, fui convocada para vê-la de pertinho...
Nosso encontro foi surreal...
Como se eu levasse um pedaço daquele que a traíra silenciosamente.
Abraçou-me? Não . Abraçou-o.
Foram horas de curiosidade, de catarse, de radiância... estávamos felizes, de verdade.
Eu representava o que ela só tinha vivido virtualmente, até aquele momento.
Como se coubesse em mim toda a realidade uma de paixão e dor vividas....
Fiquei meio-espectadora ...
E vi que escarificarem-se era um hábito de outros vários amigos seus...
Sangrar nos momentos de angústia, destilando a dor pungente em seu interior...
São Tomé das Letras...
Cidade intrigante!

terça-feira, 10 de junho de 2008

Obsessividades

Mãezinha, há um desafio besta que me faz desejar continuar vivendo, descendo, pulsando. É a vontade de saber onde vai dar. Eu tentei me perder, rasgar meu peito e destroçar tudinho, mas não pude. Não tive coragem de me gastar antes de ter tempo de desvendar o mistério. Eu não sou anjo, o caso é que meu silêncio engana. É gostoso, misterioso, pleno. Rasgar é coisa pra gente jovem, mamãe, e eu nasci idosa. Nasci pensando. Nasci refletindo sobre o porquê das cores e sobre as lindezas do sexo. Mãe, eu sou um gênio. Genialmente estupenda. Ilimitadamente sábia. Mas antes do tempo. Antes de sentir. Antes de gozar. Funciona assim: enquanto o mundo inteiro se põe a falhar pra depois descobrir o arrependimento, eu já me arrependi antes de errar e cá estou cumprindo penitência: "Papai do Céu me perdoe pelo que ainda nem sei se sou capaz de fazer...".

Todas as vezes em que você me viu ajoelhada no milho no canto da sala, esteja certa de que antes eu já havia pecado em pensamento de forma tão insuportável que meu vil prazer já se fazia em carne viva. Na minha carne. Eu nasci de carne já batida, de pecado adiantado, nasci de fogo já aceso quiçá em outras vidas. E agora me vem a vontade de saber onde vai dar. Tudo isso. Onde dá essa minha vida humana que eu já manchei de tanto pensar. E que é infinita como minha sabedoria louca. Eu vivo, mamãe... Eu vivo porque espero... Porque não se gasta a vida. Porque eu não gasto. Porque piso na linha da margem entre lá e cá. E não decido. Meu tempo é infinito.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Serpentear

O que faz uma mulher serpentear?
Fomos feitas para rastejar ou para simplesmente acompanhar?
Quando o fiz foi com ímpetos de fera... não a ferida, mas a instintiva e aduladora. Sim, porque adular é um ato feminino...
Corri em torno como se demarcasse meu território e o protegesse contra todos os males.
Ali não estava uma mulher, e sim uma serpente. E eu serpenteava ...
Seduzir comove a todos. Ser seduzido amedronta.
Cada vez que me enroscava me derretia toda em seiva promissora.
E me transformava em santa. A serpente vil em ser inofensivo, acolhedor, inominado.
E depois de sugada toda a energia voltava a ser plena para a minha alma.
Ah! Era uma completude que viciava ... encontros cúmplices da paixão.
Serpentear ...

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Surtei

Olha que eu me peguei assim: sufocada, completamente tomada de tesão...e quando percebi estava tomada : por você.
Veja só: pensava que eu era de pedra pra suportar tanta provocacão?
Menino, quando eu pedi prá parar, já não iria aguentar mais nem uma insinuação sua.
E você continuou, sadicamente...
Brincadeira. Essa foi a desculpa que arrumamos.
Como? Se você na nossa primeira conversa já se despiu todo?!
E me "comia "quando eu te chamava de gostoso!
Você brincou com suas meninas, com a sua platéia feminina, conseguiu com que elas ficassem mais e mais interessadas.Isso fazia parte do plano.
Mas, não pensava é que eu poderia cair em suas malhas... ou contava?
E tinha prazer nisso, também? Brincava com todas.
Acho que pela sua idade, a brincadeira pode ir até onde nem imaginamos...
Não acredita? Acha que estou sendo cínica, né?
Remorsos? Sinto é prazer em conseguir deixar um homem seguro de si tão abalado!
Eu te apunhalei...como disse.E você, me seduziu.O que é pior? Não perdôo...
É! Prazer! Sou sádica! Ou melhor, sadomazoca.
Porque na nossa sessão de sexo você foi um mestre.Só faltou rasgar minhas calcinhas com sua navalha...eu ia pedir.
Mas como você sabe brincar! Parabéns!
Olha , não faz assim com mais ninguém. Quem resistirá a um homem tão...imaginoso?!
E como iria suportar qualquer conversa de despedida?
Deixei-lhes uma poesia no tópico: chama-se Delete.
Mas, fique sabendo que me fez bem...
Apenas não sabe dos seus limites, egoisticamente.
Aff...menino gostoso!
Enlouqueci...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Borboletinha verde

Sentia-se como se ofendesse aos outros com seu sexo. Com sua doçura incandescente. Com seu saber delicado. Era delicada. Uma borboletinha verde. Sozinha, não tinha pudores. Pensava de tudo um pouco: santos e demônios, egito antigo e nova era, música, poesia, casa, mendigo, guerra santa, bíblia, sexo, filhos, língua estrangeira, língua inventada, beijo de língua, sacanagem, doçura, bolo, natal, passado, orixás, sentimento, glória, caroço de milho, história, barbaridade e os sete anões. Misturava idéias, sonhos, maravilhas. E criava teorias. Queria sair de casa pra contar pra todo mundo. Mas sentia-se como se ofendesse aos outros com seu sexo vivo. Puro. Feminino. Com seu ventre incandescente. Suas palavras criadas. Sua língua gostosa e maliciosa. Sua inocência eterna, impura, serpentinando todos os dias as tentações mais bonitas. Queria ser santa. Mas ardia.